POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
H. P. LOVECRAFT
Howard Phillips Lovecraft (Providence, Rhode Island, 20 de agosto de 1890 — Providence, Rhode Island, 15 de março de 1937), mais conhecido por H. P. Lovecraft, foi um escritor estadunidense que revolucionou o gênero de terror, atribuindo-lhe elementos fantásticos típicos dos gêneros de fantasia e ficção científica.
Lovecraft originou o ciclo de histórias que, posteriormente, foram agrupadas no Cthulhu Mythos e o grimório fictício conhecido como Necronomicon — supostamente vinculado a John Dee, astrônomo e ocultista britânico do século XVI — através do qual os seres humanos em suas histórias se comunicam com o panteão de entidades criadas pelo autor. Lovecraft era assumidamente conservador e anglófilo, o que pode ser observado em seu poema An American To Mother England, publicado em janeiro de 1916 Seu estilo literário emprega arcaísmos, vocabulário e ortografia marcadamente britânicos, fato que contribui para aumentar a atmosfera de suas histórias, como no conto O Caso de Charles Dexter Ward, que contêm referências a personagens que viveram antes da independência das Treze Colónias, bem como a estabelecimentos comerciais existentes entre os séculos XVII e XVIII.
Lovecraft chamava seu princípio literário de "cosmicismo" ou "terror cósmico", pelo qual a vida é incompreensível ao ser humano e o universo é infinitamente hostil aos seus interesses. Suas obras expressam uma profunda indiferença às crenças e atividades humanas, assim como uma atitude profundamente pessimista e cínica, muitas vezes desafiando os valores do Iluminismo, do Romantismo, do Cristianismo e do Humanismo. Os protagonistas de Lovecraft eram o oposto dos tradicionais por momentaneamente anteverem o horror da última realidade e do abismo.
Durante sua vida, Lovecraft teve um número relativamente pequeno de leitores. No entanto, com o passar das décadas, sua reputação foi se elevando e, agora, o autor é considerado um dos escritores de terror mais influentes do século XX. Joyce Carol Oates disse que Lovecraft, assim como Edgar Allan Poe no século XIX, tem exercido "uma influência incalculável sobre sucessivas gerações de escritores de ficção de horror" e Stephen King classificou o escritor como "o maior praticante do século XX do conto de horror clássico". Biografia: pt.wikipedia.org/wiki
LOWECRAFT, H. P. Desespero /poemas/. Tradução de Renato Suttana. Revisão de Camilo Prado. Capa e ilustrações internas de Jens Lund (1871-1924). Desterro, SC: Edições Nephelibata, 2018. 130 p. 15 x 21 dm. Edição de 70 exemplares. Ex. N. 22/70 na col. de Antonio Miranda.
DESPAIR
O'er the midnight moorlands crying,
Thro' the cypress forests sighing,
In the night-wind madly flying,
Hellish forms with streaming hair;
In the barren branches creaking,
By the stagnant swamp-pools speaking,
Past the shore-diffs ever shrieking;
Damn'd daemons of despair.
Once, I think I half remember,
Ere the grey skies of November
Quench'd my youth's aspiring ember,
Liv'd there such a tiling as bliss;
Skies that now are dark were beaming,
Gold and azure, splendid seeming
Till I learn'd it all was dreaming —
Deadly drowsiness of Dis.
But the stream of Time, swift flowing,
Brings the torment of half-knowing —
Dimly rushing, blindly going
Past the never-trodden lea;
And the voyager, repining,
Sees the wicked death-fires shining,
Hears the wicked petrel's whining
As he helpless drifts to sea.
Evil wings in ether beating;
Vultures at the spirit eating;
Things unseen forever fleeting
Black against the leering sky.
Ghastly shades of bygone gladness,
Clawing fiends of future sadness,
Mingde in a doud of madness
Ever on the soul to lie.
Thus the living, lone and sobbing,
In the throes of anguish throbbing,
With the loathsome Furies robbing
Night and noon of peace and rest.
But beyond the groans and grating
Of abhorrent Life, is waiting
Sweet Oblivion, culminating
All the years of fruidess quest.
DESESPERO
Sobre os charcos noturnos ululando,
Entre os negros ciprestes suspirando,
Nos vendavais da noite remoinhando,
Demoníacas formas noturnais;
Contra os galhos desnudos se ferindo,
Junto aos poços estanques estrugindo,
Nas penhas, sobre o mar, repercutindo,
Do desespero as sombras infernais.
Certa vez (ainda o vejo em pensamento),
Antes que se estendesse um céu cinzento
Sobre o meu juvenil atrevimento,
Houve tal coisa como ser feliz;
O céu que agora é negro refulgia,
Límpido e safirino resplendia,
Mas logo vi que em sonhos é que eu via
Tudo isso — no fatal torpor de Dis. *
Mas o rio do Tempo, a transcorrer,
Traz o tormento do desconhecer,
Sempre fugindo, em seu cego correr
Em direção àquele prado arcano;
Enquanto o viajante enxerga aflito
Do fogo-fátuo o fulgor esquisito
E do petrel maligno escuta o grito,
A vogar impotente para o oceano.
Asas malignas pelo éter batendo,
Abutres que o espírito vão roendo,
Vultos negros que passam, percorrendo
Eternamente um céu de escuridão;
Contornos espectrais de ida ventura,
Cruéis demônios da aflição futura
Se mesclam numa nuvem de loucura
E fazem da alma a sua habitação.
Assim os vivos, sós e soluçantes,
Nos amplexos da angústia palpitantes,
São vítimas das Fúrias repugnantes,
Que à noite e ao dia vêm a paz roubar;
De uma Vida de tédio e de tormento,
Há de coroar o doce Esquecimento
Tantos anos de inútil procurar.
* Cidade invisível, mencionada num livro de Clark Ashton Smith e presente na "Demonologia de Cthulhu".
THE MESSENGER*
The thing, he said, would come in the night at three
From the old churchyard on the hill below;
But crouching by an oak fire's wholesome glow,
I tried to tell myself it could not be.
Surely, I mused, it was pleasantry
Devised by one who did not truly know
The Elder Sign, bequeathed from long ago,
That sets the fumbling forms of darkness free.
He had not meant it — no — but still
I lit Another lamp as starry Leo climbed
Out of the Seekonk, and a steeple chimed
Three — and the firelight faded, bit by bit.
Then at the door that coutious rattling came —
And he med truth devoured me like a flame.
* Segundo consta, este poema foi escrito em resposta a Bertrand Kelton Hart, autor de uma coluna diaria chamada "The Sidesbm", no periodico The Trovidence Journal. Quando Hart descobriu que o endereco de Wilcox em "The fall of Qhulhu" (Thomas Street, n2 7} era o seu prdprio, disse em sua coluna: "... Nao ficarei satisfeito ate que, associando-me em bando com espectros e fantasmas, eu deposite, pelo menos, um grande e permanente fantasma, a modo de represalia, na sua [de Lovecraft] propria soleira, em Barnes Street... Acho que vou ensina-lo a gemer num torn menor todas as manhas as tres em ponto, com um tilintar de correntes." (Informacao obtida no site http//freeread.com.au)
O MENSAGEIRO
Às três da noite — disse — a coisa subiria
Da velha igreja ao pé daquele morro.
Ouvi-o, Sentado junto ao fogo acolhedor, sadio,
E tentei me dizer que aquilo não havia.
Gracejos só, pensei, dos mais inconsequentes,
Aventados por quem entende pouco ou nada
Da Antiga Senha, há tanto tempo revelada,
Que liberta da sombra as formas repelentes.
Não, não sabe o que diz! Porém fui acendendo
Outra lâmpada quando o ástreo Leão subiu
Desde Seekonk, e um campanário percutiu
Três — e a luz da fogueira aos poucos foi morrendo.
Na porta um chocalhar surgiu discretamente,
E qual chama engoliu-me a verdade demente.
LOVECRAFT, H. P. Os fungos de Yuggoth. Tradução de Nicolau Saião. São Pedro de Alcântara, SC: Nephelibata Edições, 2011. 112 p. Exemplar n. 12 de uma edição de 60. Ex.. bibl. Antonio Miranda
XXX. Background
I never can be tied to raw, new things,
For I first saw the light in an old town,
Where from my window huddled roofs sloped down
To a quaint harbour rich with visionings
Streets with carved doorways where the sunset beams
Flooded old fanlights and small window-panes,
And Georgian steeples topped with gilded vanes —
These were the sights that shaped my childhood dreams.
Such treasures, left from times of cautious leaven,
Cannot but loose the hold of flimsier wraiths
That flit with shifting ways and muddled faiths
Across the changeless walls of earth and heaven.
They cut the moment's thongs and leave me free
o stand alone before eternity.
XXX. Paisagem de Fundo
Nunca pude ligar-me cruamente a coisas novas,
Pois vi a luz pela primeira vez numa cidade antiga
Na qual telhados em confusão desciam desde a minha janela
Até um singular porto de abrigo, rico em visões.
Ruas com portas-de-entrada entalhadas
Cujas velhas bandeiras
E pequenas vidraças os raios do sol-poente banhavam
E campanários georgianos encimados por agulhas douradas —
Eram essas as paisagens que meus sonhos de criança
[modelavam.
Tais tesouros, deixados por um tempo não corrompido
Não podem senão fazer-nos desdenhar das quimeras sem
[sentido
Cuja presença de confusa fé se esgueira por mutáveis vias
Entre os muros que à terra e ao céu enchem os dias.
Cortam as amarras do momento e deixam-me em liberdade
Para ficar só e de pé diante da eternidade.
XXXII. Alienation
His solid flesh had never been away,
For each dawn found him in his usual place,
But every night his spirit loved to race
Through gulfs and worlds remote from common day.
He had seen Yaddith, yet retained his mind,
And come back safely from the Ghooric zone,
When one still night across curved space was thrown
That beckoning piping from the voids behind.
He waked that morning as an older man,
And nothing since has looked the same to him.
Objects around float nebulous and dim —
False, phantom trifles of some vaster plan.
His folk and friends are now an alien throng
To which he struggles vainly to belong.
XXXII. Alienação
Em carne e osso nunca para o além pudera passar
Pois cada aurora o achava sempre no sítio habitual,
Mas o seu espírito todas as noites gostava de vaguear
Por abismos e por mundos distantes do dia usual.
Tinha visto Yaddith e conservara o juízo normal
E voltara da zona de Ghooric sem ter sido tocado
Até que numa tranquila noite o espaço foi cruzado
Por sibilante apelo vindo do vazio sideral.
Nessa manhã acordou feito num ancião,
E desde aí nada tornou a parecer-lhe igual.
Ao seu redor os objectos pairam nebulosos e sem feição —
Dum plano mais vasto executores de aparência fantasmal.
Família e amigos agora uma gente estranha são
A qual ele se esforça por pertencer em vão.
Página publicada em janeiro de 2019
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